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sábado, 13 de dezembro de 2008

A Nação Divorciada

Li esta semana na Gazeta do Povo um editorial muito curioso, que nao falava de politica, economia ou violência, mas de... CASAMENTO. Leia a seguir:

Os números sobre o divórcio no Brasil – recém-divulgados pelo IBGE – bem poderiam se somar à lista de tragédias nacionais crônicas. Não é exagero. À violência nas raias de filme de terror, ao trânsito que mata mais que a Guerra do Vietnã e ao grotesco abandono da juventude – para citar apenas três mazelas que bradam os céus – bem poderia ser acrescentado o fenômeno dos casamentos desfeitos na mesma facilidade com que bananeiras dão cachos. De 1983 a 2007, período em que os índices estão computados, a taxa de separações judiciais cresceu 200%. Apenas em 2007, saltou em 44%. Foram 916 mil rompimentos de contrato nupcial em um mísero ano, fazendo soar o alerta, já que quase 50% de fracasso de qualquer coisa é um bom motivo para se dizer “pare o mundo que eu quero descer”. Não é o que acontece.

Para surpresa geral da nação, apesar dos índices, o divórcio figura entre aqueles assuntos estranhos à pauta das discussões nacionais, encontrando mais guarida nos salões de beleza e nas fofocas de repartição do que no plano das políticas públicas. Interessam os índices subsaarianos na educação, os mecanismos de corrupção dignos de uma seqüência do 007, mas não o desmantelamento da família, como se os laços afetivos não tivessem a ver com o atual estado das coisas. A “Marcha Nupcial” fica reduzida a uma trilha sonora romântica, a um sonho de menina.
Além de que, questionar o divórcio soa como caretice, um rótulo que ninguém quer carregar. Dos divorciados, que se ocupem os religiosos e os próprios interessados, até porque reza o ditado – “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher.” E vire-se a página.

Ao limitar o casamento a uma questão de foro íntimo, contudo, subestima-se o peso que essa instituição tem sobre o tecido social. Qualquer pessoa que já tenha acompanhado um desenlace, ainda que pela fresta da porta, sabe o que significa – particularmente para os filhos. Por essas e outras, não há nada de reacionário em desejar uma sociedade organizada em torno da redução dos divórcios – e principalmente na compreensão desse fenômeno, para além da frieza das estatísticas do IBGE.
Seria um sinal de maturidade, sim, que outras organizações, além das igrejas, se ocupassem de entender por que o Brasil está se tornando uma sociedade divorciada, enfraquecida na base e fatalmente mais solitária. Os descasados estão na nossa nau dos desacertos – e passa da hora de resgatá-los.

O senso comum já o comprova – o divórcio não é, como se diz a boca-pequena, um sinal de que as amarras da moral conservadora e da tradição católica foram desfeitas, instalando a Era de Aquarius e oba. Se fosse assim, o mundo estaria melhor, merecendo um novo mandamento divino na voz de Charlton Heston: “Divorciai-vos e encontrareis a felicidade.” Não é o que vê um professor, por exemplo, ao se deparar com uma sala de aula em que 50% dos alunos são filhos de lares desfeitos.
Os traumas da separação costumam ser tão grandes ou maiores do que os causados pela convivência arisca entre os cônjuges. Não raro, a família em crise abre caminho para outros desacertos da vida. O ideal é que a rede de proteção tenha estrutura para se ocupar disso também, tanto quanto faz com a situações de drogadição, abandono ou abuso contra crianças e adolescentes.

Bom, pode-se argumentar que não faltam instrumentos para amenizar os efeitos da separação irremediável, posto que toda separação é assim pintada: antes ela do que tiros trocados sob o mesmo teto. Casais cientes dos deveres para com os filhos costumam refazer o pacto de convivência, garantindo uma transição menos traumática para o novo consórcio. Modelo que não raro se transforma na divertida fórmula “os meus, os teus e os nossos” – marca das famílias formadas por segundos e terceiros casamentos.

Qualquer arranjo civilizado é, sim, para festejar. O que não implica em ignorar os maus lençóis em que o casamento está metido desde que se instalou a crise das instituições, desencadeada com o pós-Guerra, a revolução sexual, a contracultura. Esses momentos contribuíram para a reavaliação dos costumes, mas o fizeram demonizando a família, sem dó nem piedade. Tornou-se moeda corrente identificar a casa, o pai e a mãe, e o que eles ensinam, com um cenário mofado, um retrato em sépia – o que é no mínimo injusto.

A vida não é um filme da nouvelle vague. Passados 40 anos dos ventos dos anos 60, não é difícil deduzir que os atentados à família foram o preço altíssimo pago para que se instalasse uma sociedade secularista, gerando uma contradição da qual somos hoje reféns. Ao mirar sua metralhadora nos lares, as bandeiras libertárias afogaram, ainda no berço, a fonte do fazer coletivo, dos valores, reforçando justamente o que estava combatendo – o individualismo.

Como diz o filósofo francês Gilles Lipovetsky, à desinstitucionalização da família seguiu-se a febre do consumo, as religiões à la carte, a corrida pela beleza a qualquer preço. Certos enquadramentos sociais foram aniquilados – o que teve ganhos inegáveis. Mas se abriu demais a porteira ao consumo e ao relativismo, instalando uma espécie de “revolução individualista”. O divórcio é fruto da dor da separação, é claro. Não se pode julgar os separados. Mas em larga escala, tal como se vê, só pode ser filho da intolerância e do hedonismo. Para ambos há remédio – remédio caseiro.

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