Pensamentos sobre os milagres
Milagres
Philip Yancey
Gastei grande parte da
minha vida adulta resolvendo as questões que surgiram durante minha juventude.
A oração, descobri, não funciona como uma máquina de vender: insira o pedido,
receba a resposta. Os milagres são exatamente isso, milagres, não coisas comuns na experiência diária. Minha
visão de Jesus também mudou. Conforme agora reflito sobre sua vida, os milagres
desempenham um papel menos proeminente do que eu imaginava quando criança. Ele
não era Super-Homem. Jesus reconheceu logo que a empolgação gerada pelos
milagres não se convertia rapidamente em fé transformadora.
A reação a muitos milagres que Jesus fez nos evangelhos, contém
um notável princípio de fé: embora a fé possa produzir milagres, milagres não produzem
necessariamente a fé.
Jesus nunca encontrou enfermidade que não pudesse curar,
defeito de nascença que não pudesse reverter, demônio que não pudesse
exorcizar. Mas encontrou céticos que não pôde convencer e pecadores que não
pôde converter. O perdão de pecados exige um ato de vontade da parte de quem
recebe, e alguns que ouviram as palavras mais incisivas de Jesus sobre graça e perdão
afastaram-se sem arrependimento.
Jesus sabia que a disfunção espiritual tem um efeito mais
devastador do que qualquer enfermidade física. Toda pessoa curada um dia morre.
E então, o que acontece? Ele não viera principalmente para curar as células do
mundo, mas curar as almas das pessoas.
Com que facilidade nós, os que vivemos em corpos materiais,
desvalorizamos o mundo espiritual! Ocorre-me que, embora Jesus gastasse mais
tempo em questões como a hipocrisia, o legalismo e o orgulho, não conheço
nenhum ministério de TV dedicado a curar esses problemas “espirituais”; mas nas
doenças físicas. Antes de eu ficar presunçoso, entretanto, é bom lembrar com
que facilidade me sinto atormentado pelo mais leve ataque de sofrimento físico,
e com que raridade me sinto atormentado pelo pecado.
A multiplicação dos pães para alimentar 5 mil ilustra por
que Jesus, como todos os poderes sobrenaturais à sua disposição, demonstrou tal
ambivalência para com os milagres. Eles atraíram multidões e aplausos, sim, mas
raramente encorajaram o arrependimento e uma fé duradoura. Ele estava trazendo
uma mensagem dura de obediência e sacrifício, não um espetáculo de segunda categoria
para basbaques e amantes de sensacionalismo.
“Uma geração má e adultera pede um sinal” (Mateus 12.39), Jesus
diria quando outra pessoa mais lhe pediu uma exibição dos seus poderes. E em
Jerusalém, a capital, embora muitas pessoas vissem os milagres que ele realizou
e cressem nele, “Jesus não confiava neles” (Joao 2.24), pois sabia o que havia
em seus corações.
Cada cura física apontava de volta para um período no Éden
em que os corpos físicos na ficavam cegos, não eram aleijados nem sangravam por
doze anos – e também apontava para a frente, para um período de criação por
vir. Os milagres que realizou, arrebentando as correntes da enfermidade e da
morte como fizeram, dão-me um vislumbre da razão pela qual o mundo foi criado e
serve para instilar a esperança em que um dia Deus vai consertar o que está
errado. Para não dizer coisa pior, Deus não está mais satisfeito com este mundo
do que nós; os milagres de Jesus oferecem uma pista do que Deus pretende fazer
a respeito.
Alguns veem os milagres como uma suspensão plausível das
leis do universo físico. Como sinais, entretanto, servem exatamente para uma
função oposta. A morte, a deterioração, a entropia e a destruição são a
verdadeira suspensão das leis de Deus; os milagres são vislumbres precoces da
restauração.
Nas palavras de Jurgen Moltmann: “ as curas de Jesus não são
milagres sobrenaturais em um mundo natural. São as únicas coisas
verdadeiramente naturais em um mundo que não é natural, e sim demoníaco e
ferido”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário