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quarta-feira, 19 de junho de 2019

TEXTO PRECIOSO DO MEU IRMÃO CHIODI


Corpus Christi é bíblico?



          Não poucas vezes, surgem dúvidas em relação a feriados, festas e comemorações religiosas no meio evangélico; isso se deve frequentemente a grande quantidade de credos e religiões coexistindo em território nacional. O encontro de duas tradições religiosas distintas nos impele a um questionamento sobre a nossa própria prática de fé, bem como aos nossos próprios costumes religiosos.

Normalmente, há duas abordagens quando nos deparamos com o conflito mencionado: a primeira, e mais simples, é a rejeição intransigente. A segunda, e muitas vezes mais letal para a fé, é a aceitação incondicional. A tradição metodista, formada nas tensões de visões político-sociais radicais do século XVIII, sempre buscou o equilíbrio. No mais perfeito exemplo da máxima aristotélica do “caminho do meio”, Wesley buscava (quando possível) conciliar visões opostas sem perder de vista a ortodoxia.

          Um desses questionamentos que nos é muitas vezes apresentado é em relação ao feriado de Corpus Christi (do latim, Corpo de Cristo). Esta data não se referente a nenhuma passagem bíblica; na verdade, sua origem data do século XIII, o ápice da Idade Média, por conta das visões de Juliana de Mont Cornillon. O então papa Urbano IV com a bula “Transiturus de hoc mundo” no dia 11 de Agosto de 1264 instituiu a celebração de Corpus Christi na primeira quinta-feira depois da oitava de Pentecostes a fim de reservar um dia no ano para a veneração do Santo Sacramento da Ceia. Assim, a resposta para a pergunta do título é curta e simples: não.

Aqui podemos analisar a veneração do Sacramento por dois pontos de vista. O primeiro é a veneração ela mesma do corpo de Cristo no ato da ceia. Ela é justificada pela doutrina da transubstanciação. Não por acaso, o papa Urbano IV pediu a Santo Tomás de Aquino para compor o ofício da celebração em 12 de agosto de 1264. Santo Tomás traduziu essa doutrina em termos aristotélicos. Em resumo pão e vinho sofrem uma alteração de substância (essência) sem que ocorra uma alteração no acidente (características externas, aparências e afins) dos elementos da ceia. O metodismo rejeitou a doutrina da transubstanciação desde os tempos de Wesley. No 18º artigo de religião, Wesley escreve:



“A transubstanciação ou a mudança de substância do pão e do vinho na Ceia do Senhor não se pode provar pelas Santas Escrituras, e é contrária às suas terminantes palavras; destrói a natureza de um sacramento e tem dado motivo de muitas superstições. O corpo de Cristo é dado, recebido e comido na ceia, somente de modo espiritual. O meio pelo qual é recebido e comido o corpo de Cristo, na ceia, é a fé. O sacramento da Ceia do Senhor não era, por ordenança de Cristo, custodiado, levado em procissão, elevado nem adorado.”



Essa doutrina da presença real de Cristo no sacramento é de fato muito antiga. Ela se opôs muitas vezes contra as heresias docetistas e gnósticas que negavam a encarnação do Verbo. Uma reação a essas doutrinas foi o próprio Credo Niceno. No entanto, a má interpretação das palavras de Cristo levou muitos grupos na história a fugirem a fé ortodoxa no extremo oposto. Um exemplo disso foi o Apolinarismo no século IV. Apolinário apresenta uma nova cristologia a fim de eliminar todo e qualquer traço de dualismo na pessoa de Jesus. Para ele, em Cristo havia uma unidade substancial entre o Verbo de Deus e sua carne. A consequência disso foi a doutrina da deificação do crente no momento da Ceia. O cristão se tornava divino ao ingerir o corpo de Cristo no Sacramento.

O segundo ponto diz respeito a natureza do Sacramento. Lutero em sua obra “Do Cativeiro Babilônico da Igreja” faz a distinção entre Sacramento e Promessa (Palavra). Sacramento é um rito onde se tem uma promessa associada. A promessa dá validade ao sacramento, por isso, não há motivo para sua veneração. Para Wesley, a Ceia do Senhor era um dos principais meios de graça, juntamente com a oração e a leitura da Bíblia, conforme diz:



“Os principais desses meios são as orações, [...] pesquisando as Escrituras [...] e receber a Ceia do Senhor, comer o pão e beber o vinho na lembrança Dele: E esses eu acredito são ordenado de Deus, como os canais comuns da transmissão de sua graça para as almas dos homens.”



          No entanto, a veneração do sacramento transformou o “meio” pelo qual Deus transforma a vida do crente em um fim em si. Como diz Wesley: “no processo do tempo, quando 'o amor de muitos se tornou frio'; alguns começaram a confundir os meios pelos fins”.

Dessa forma, ao analisar a história e as implicações da celebração de Corpus Christi, vemos que o metodista não deve guardar esta data. No entanto, muitos de nós metodistas nos afastamos do real entendimento do Santo Sacramento da Ceia, esquecendo da Promessa e da Graça que por meio dele Deus opera. Deve-se sempre lembrar sobre o sacrifício de Cristo, sendo o seu memorial a Ceia do Senhor.


Marco Chiodi - Curitiba

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