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domingo, 15 de março de 2020

É normal nem tudo estar bem


Cura-me, SENHOR, e serei curado; salva-me, e serei salvo, porque tu és o meu louvor. Jeremias 17.14

“Não, não está bem”. Mais do que resposta, isto se tornou apenas uma forma de tratamento. Seria um grande alivio poder responder sinceramente quando estamos vivendo momentos vulneráveis. Mas não é bem assim nos círculos onde vivemos. Ali só há espaço para a produtividade, para os portadores do troféu “saradão-saradona”. Mas muitas vezes não estamos bem, e é assim mesmo.

Caminhando para a segunda fase da vida, me lembro de quando era pós adolescente (adolescente nem se fala não é mesmo? Quem já não foi o Batman ou a Mulher Maravilha, e achava que ficaria assim pra sempre?) Jamais tive nem dor de cabeça, nem retirei uma unha. Mas de repente, como uma chuva que a gente pega no meio do caminho, a doença e as limitações se instalam, sem pedir licença. Simplesmente chegam. Daí minhas caras leitoras e leitores, se virem!

A fé enferma

Em muitas igrejas existe uma cobrança exagerada, para que seus membros sejam perfeitos, com uma boa saúde, família ajustada, finanças bem aplicadas, que estariam diretamente atreladas a uma adequada vida espiritual.

Essa cultura está há muito ligada na nossa tradição, afinal a igreja se torna um lugar de fé, de triunfo, sem espaço para o sofrimento, pois se algo acontece ao crente, é porque falta oração e dedicação, pois obrigatoriamente a devoção vem acompanhada de recompensa. Na cultura do pódio não existe lugar para os fracos. Mas ter uma adequada vida espiritual necessariamente não significa ausência de doenças, conflitos ou problemas relacionais.

Os cristãos não tinham essa mente triunfalista, mas viviam com o pé no chão:

Filipenses 4

10 Fiquei muito alegre no Senhor porque, agora, uma vez mais, renasceu o cuidado que vocês têm por mim. Na verdade, vocês já tinham esse cuidado antes, só que lhes faltava oportunidade. 11 Digo isto, não porque esteja necessitado, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. 12 Sei o que é passar necessidade e sei também o que é ter em abundância; aprendi o segredo de toda e qualquer circunstância, tanto de estar alimentado como de ter fome, tanto de ter em abundância como de passar necessidade. 13 Tudo posso naquele que me fortalece.

Problemas não significam que algo está errado com sua fé. A Bíblia é pontuada de oásis no deserto, pontualidade de vitória em meio às lutas, promessa de vencer o último inimigo, a morte e a promessa dos novos céus e a nova terra, enquanto esta cambaleia. Quando lemos o sermão que Jesus pregou no monte, percebemos os pobres de espírito, os que tem sede e fome de justiça, os que sofrem perseguições, os que choram e os que pacificam, porque estão no meio da guerra (Mateus 5). Turma atribulada essa, não é?

Sheila Walsh, pastora e cantora mundialmente conhecida por suas mensagens motivacionais, chegou num tempo em que precisou deixar a vitrine para tratar da sua alma. Demorou aceitar que não estava bem: em seu desabafo, afirmou: “acredito que todos os mecanismos que temos para tratar transtornos mentais são bênçãos de Deus. Agradeço a Deus, todos os dias, por meus antidepressivos. Não espero ser curada, pois entendo a depressão como uma doença de tratamento contínuo. Já tive vergonha disso, mas não tenho mais”. A fé tem que ser vivida na verdade, assim como Cristo procurava extrair dos doentes de alma que O procurava.

A Bênção de Não Fingir

Muitas pregações são opressoras ao invés de serem libertadoras. Não tem espaço para a dor, para o fracasso, para as frustrações de não ser quem é, de ter o peso desejado, de não ter a família perfeita sem ter que passar pelo tribunal, de estar quebrado financeiramente. Mas isso muitas vezes são a regra e não exceções. Um pouquinho de fracasso coletivo serve de terapia, afinal tem gente como a gente!

Cristo é o oposto da terapia do sucesso pregada. Mas seu fracasso aparente não significou uma vida derrotada. A cruz de cristo significou vitória, enquanto aqui neste mundo o trono significa fracasso dos esquemas humanos. Só a vida de  cruz pode fazer prosperar a obra de Deus. A coroa do sucesso é posta na cabeça de quem se rende à Sua vontade, não de quem insiste em seus planos.

Salmo 64

Eles afiam a língua como espada e apontam, quais flechas, palavras amargas, para, às escondidas, atingirem o íntegro; contra ele disparam repentinamente e não temem. Teimam no mau propósito; falam em secretamente armar ciladas, e dizem: “Quem nos verá?”

Planejam iniquidades e dizem: “O plano que fizemos é perfeito!” Os pensamentos e o coração de cada um deles são um abismo.



Isaías 53

10 Todavia, ao SENHOR agradou esmagá-lo, fazendo-o sofrer. Quando ele der a sua alma como oferta pelo pecado, verá a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará nas suas mãos.


Muitos cristãos levam anos escondendo as dores cruéis de seus estigmas. Mas a pessoa que interiorizar os sentimentos e finge ao máximo para mostrar que tudo está bem, culmina em depressão e acaba abandonando a igreja, ficando desapontada por aquilo que Deus nunca prometeu.

Ambiente sadio é o ambiente onde a verdade pode ser expressa. Quando um (uma) cristão não tem liberdade de expressar seus sentimentos, a ferida que não fecha o faz desconfiar da salvação que há em Cristo Jesus. A alma ferida desconfia da vida abundante que Deus promete em sua Palavra.

Ninguém consegue fingir por muito tempo. Gosto da frase de um pastor amigo que afirma: “faz parte do impostor, o falso eu, viver nos bastidores com medo de dizer quem é e ser rejeitado, mas o Cristo do Calvário já realizou uma obra de aceitação tão perfeita, que precisamos torná-la clara, para que desapareça esse impostor enganoso e cruel”. Não precisar fingir é uma benção.

A Verdade Que Cura

Não há nada que possa se comparar à excepcional caraterística do Evangelho do que a possibilidade da aproximação ao nosso Deus.

A Bíblia afirma:

 “aproximemo-nos com um coração sincero, em plena certeza de fé, tendo o coração purificado de má consciência e o corpo lavado com água pura”. (Hebreus 10.22).

Coração sincero e purificado pela obra de Cristo, e o corpo lavado pelo batismo como testemunho de rendição são os requisitos. Enquanto na maioria dos sistemas religiosos temos que nos aproximar perfeitos e com bom acabamento para sermos aceitos diante da divindade, Jesus convida os doentes e falidos para se apresentar diante dele na verdade sincera de um coração quebrado para receber seus benefícios. E todos (as) que assim se apresentaram foram recompensados.

Viver a verdade, sem medo foi o que Jesus instigou naqueles que desejavam libertação da ditatura das aparências.

A mulher samaritana confessou sua carência e instabilidade matrimonial e foi elogiada por ter falado a verdade de estar no seu sexto marido (João 4.18);

Zaqueu foi instigado a confessar, mesmo com um falso “se”, a restituir os que passara para trás (Lucas 19.8); o pretenso cego deveria dizer com humildade o que aquele homem desprezado de Nazaré podia fazer por ele sem ter vergonha ao pedir cura. A coragem de dizer a verdade curou a todos.

Não precisamos ser muito duros com a gente mesmo. Enquanto acharmos que temos de parecer perfeitos, perderemos a grande oportunidade de apontar Cristo, que é perfeito, para as pessoas. A boa notícia é que Jesus é perfeito. A mesma Sheila aconselha a sermos “brutalmente honestos(as) sobre as áreas da vida que são uma decepção para nós.

Sempre digo aos perfeccionistas ansiosos que vai dar tudo errado antes de dar certo. Aguenta firme! Enquanto isso, bora viver com fé e liberdade de poder reclamar de vez em quando, pois até isso a religião sem coração tirou de nós. Você é normal.

Pr. Fábio Alcântara

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